Sistema Agroflorestal – SAF – Santo Elias

Sítio Santo Elias: uma experiência agroflorestal na Serra da Meruoca



Encravada na Serra da Meruoca, a pequena comunidade Santo Elias é um exemplo a ser seguidas pelas demais comunidades da Área de Proteção Ambiental – APA da Serra da Meruoca, no que tange ao manejo sustentável dos recursos naturais, produção de alimento de qualidade sem agroquímicos, organização social, beneficiamento e comercialização dos produtos locais, gerando trabalho e renda para a população local, o que garante a fixação do homem, da mulher e do jovem no campo.

Mas nem sempre foi dessa forma…

No passado não muito distante, através de comentários de pessoas com maior experiência, as atividades geradoras de trabalho e renda na comunidade eram, principalmente, a criação de gado, o roçado, sítios e o extrativismo, nesse caso o coco babaçu.

Era comum no período seco, estiagem, os fazendeiros subir a serra com os animais (gado) dos sertões, através de comboios em busca de alimento, a fim de manter o peso do rebanho. No período de chuva, por conta do aumento da incidência de doenças, ocasionada pelo excesso de umidade, os animais desciam a serra para o sertão, e essa prática até os dias atuais ainda acontecem.

No período “seco” se aproveitava ainda para iniciar os roçados, tidos como itinerantes, ou seja, agricultura nômade, sem fixação no local, baseada no desmatamento total ou parcial da área, seguido da queimada, plantio (milho, feijão e mandioca) por dois anos e pousio da área. Esses roçados eram feitos nas “quebradas”, em lajedos (áreas acima de 45°), geralmente com manchas de solo boas para esse tipo de produção. A produção tem como finalidade garantir o abastecimento de grãos (milho e feijão) para alimentação humana e animal durante todo o ano.


Outro modelo de agricultura é a formação dos sítios com frutíferas exóticas em locais mais úmidos, geralmente nas “baixas”, próximo aos riachos e nascentes. As principais frutas trabalhadas na região são: banana, manga, caju, jaca, abacate, goiaba, citros em geral, café, urucum e pimenta do reino. Essa produção durante todo o ano garante fruta para consumo e o excedente para ser comercializado.

A extração também garante a sobrevivência das famílias. O babaçu, palmeira de extrema relevância na Meruoca, gerando renda para as famílias, através da sua amêndoa para obtenção de óleo utilizado na alimentação humana, quando trituradas essa amêndoa serve para alimentar pequenos animais (aves e suínos), o mesocarpo (farinha) na alimentação das crianças, broto na alimentação humana e o coco inteiro como lenha para os fogões.


O manejo utilizado para manter esse sistema de produção tradicional necessita de áreas consideravelmente grandes, a fim de garantir que haja minimamente a recuperação e reconstituição dos recursos naturais renováveis, como a fertilidade do solo, o repovoamento das espécies vegetais, e, consequentemente, a conservação da água. Diversos são os fatores que interagem para com o manejo da terra. Uma delas e, talvez, de maior relevância é a questão fundiária, ou seja, a redução do tamanho da propriedade rural. Com a divisão das terras por meio de partilhas, posses e heranças (passadas de pai para filho) a situação fundiária esta ficando cada vez mais delicado devido o adensamento populacional dentro da área rural. Contudo se faz necessário um repensar sobre o modelo de agricultura e manejo com a terra, haja vista que a proporção de área pelo número de famílias está diminuindo, conflitando diretamente com o modelo produtivo convencional. Os resultados são perceptíveis tanto aos olhos quanto ao bolso.

Mas a natureza é muito sábia, ela dá todos os sinais de que senti. De acordo com Loverlock, Gaia, Terra, é um organismo vivo que se alto regula no intuito de manter a biota do planeta viva. E para isso ela dar sinais, da mesma forma como acontece com qualquer organismo vivo quando algo de errado está acontecendo. Sr. Sebastião (agricultor da comunidade Santo Elias), não trabalhou diferentemente dos demais agricultores. Confessa que foi um dos maiores destruidores dos recursos naturais de sua região.

“Deixei a terra limpa! Capinei tanto e botei tanto fogo que chegou um momento que a terra parecia com essa estrada (de chão batido), não produzia mais nada! Era a natureza falando comigo. Mandando a conta pelo que meus pais e avos fizeram com ela. Daí nóis tinha duas opções: ou mudar para alguma coisa que não sabia o que era, ou ir embora para outro local, cidade… Mas Tiago, nóis num sabe nem roubar, o que é que nóis vai fazer na cidade?”

Nesse momento a natureza estava falando com ele, ou seja, o sistema dando sinais de que uso da terra da forma como estava sendo feito não dava para suportar por muito tempo e que estava precisando de cuidados. Através da leitura da paisagem ele conseguiu identificar que o solo estava sendo erodido, ou que “as pedras estavam crescendo”, o solo não mais tinha a vitalidade de antes. A diminuição da produção, pouca presença de animais, solo sem cobertura vegetal, as nascentes e riachos secando serviram foram agravando ainda mais a situação e desgastando ainda mais a terra. Contudo a única saída para se manter na terra e viver dela seria a mudança total de ver a terra.

“Temos que ficar é na nossa Terra mesmo, é nosso local, é onde nascemos e nos criamos. Parei de queimar e comecei a colocar bagulho (palhada) no chão e todo mundo me chamando de doido. Isso a mais de 20 anos. Comecei a deixar as planta e vi que a cada ano as ervas passavam mais tempo verde e vi que isso era bom. E comecei a plantar por conta própria sem muita ajuda técnica. Depois foi que veio o sistema agroflorestal para ajudar nosso trabalho.”

O sistema agroflorestal é um termo novo para uma prática antiga utilizada pelos indígenas King e Chandler (1978). É a simulação dos eventos naturais de uma floresta, consorciando espécies de essências florestais com espécies que sejam fontes de fibra, carboidratos, proteínas (animal e vegetal), vitaminas e minerais, a fim de suprir as necessidades alimentares das famílias locais, fixando o homem, a mulher e a juventude no campo, de forma a produzir por muitos anos dentro da mesma área.


Quanto mais próximo do equilíbrio, mais o sistema produzirá, mais permanente e mais próximo da sustentabilidade será.

A árvore passa a ser a protagonista, que vai desempenhar diversas funções na área, através da produção de frutos, sementes, cascas para remédio, fixar o solo e conter a erosão, ciclagem de nutrientes por meio de suas folhas, facilitar a lixiviação das águas e dos nutrientes para as camadas mais profundas do solo, conforto térmico, quebra vento, barreira contra incêndio, além de alimento e abrigo para a vida silvestre.

No primeiro momento pode parecer muito simples a implantação do SAF, mas para desenvolver e sistematizar os princípios que norteiam esse modelo de produção, foi necessário muitos anos de pesquisa e prática no campo. O suíço, Ernst Gotsh vem trabalhando esse modelo há quase 20 anos e suas propostas já foram implantadas em todos os biomas brasileiros, baseado na sucessão vegetal como principal ferramenta indicadora de evolução do sistema de produção. Temos aqui na região uma proposta sistema de produção para o bioma caatinga, elaborada pelo Professor João Ambrósio. Como a Serra da Meruoca é uma ilha de Mata Atlântica encravada no sertão o ideal seria a fusão das duas propostas no intuito de otimizar o sistema de produção.

Os sistemas de produção baseados nos conceitos de SAFs tendem a caminhar rumo à formação da floresta, ao clímax, ou seja, ao nível máximo de produção de biomassa, com frutos, folhas, lenhas, raízes e sementes. Para isso é importante se conhecer os componentes da biota local, especialmente os estratos vegetais presentes no bioma onde se pretende trabalhar. Sabe-se que a vegetação de uma região tropical é formada basicamente por 3 grandes camadas ou estratos: a herbácea, arbustiva e arbórea, formando uma pirâmide de evolução do solo e da vegetação rumo ao clímax.


Essa pirâmide aumenta ou diminui de acordo com o manejo que é realizado dentro do sistema. E esse sistema, como toda floresta, em algum momento deve estabilizar e chegar ao ponto de equilíbrio.

Os princípios norteadores do SAF são técnicas de manejo como, podas, roços seletivo, coquetéis de sementes, bolas de argila, controle biológico, policultivo, adubação verde, sistema de aléia, cobertura do solo, etc. Mas isso vai de acordo com o que se pretende, bem como as plantas que irão ser utilizadas dentro da propriedade.

Mas quais são as vantagens do sistema agroflorestal em relação sistema convencional?

Podemos citar principalmente a redução dos custos de implantação e manutenção, aumento da diversidade e da qualidade de alimentos, controle biológico das pragas e doenças, conservação dos recursos naturais renováveis, especialmente o solo, ciclagem de nutrientes, aproveitamento de produtos florestais e recuperação de áreas em degradação.

Por: Tiago Silva – Permacultor, Educador e Extensionista do Instituto Carnaúba. Esse texto foi um resumo a partir de um trabalho que está sendo realizado a mais de 6 anos na comunidade Santo Elias, através do Instituto Carnaúba. São cerca de 10 famílias que estão realizando as atividades somente nessa comunidade. Recebem visitas de diversas instituições para realizar dia de campo.

Fontes – Sites: geomaps.com, ceplac,

Fotos: Alcides Mota e Tiago



fonte - Permacultura no Ceará

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